quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Composto do jaborandi tem ação contra parasita da esquistossomose

Um composto extraído da folha do jaborandi (Pilocarpus microphyllus) e denominado epiisopiloturina apresentou em testes pré-clínicos atividade contra a forma jovem e adulta do parasita Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose.

Experimento realizado no Instituto Butantan testou in vitro a atividade da epiisopiloturina contra diversos tipos de parasita ( foto: Divulgação)

Os ensaios de estabilidade química da epiisopiloturina foram realizados no Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da Universidade de São Paulo (USP), durante o pós-doutorado de Ana Carolina Mafud. O trabalho é supervisionado por Yvonne Mascarenhas, professora do IFSC, e conta com apoio da FAPESP.

Os resultados foram divulgados recentemente em artigo na revista PLoS Neglected Tropical Diseases.

“Em parceria com o SUS [Sistema Único de Saúde], estamos avaliando a eficácia e a segurança de usar o composto como um fitoterápico. Também existe a possibilidade de criar versões sintéticas da molécula com pequenas modificações e ação potencializada, o que seria mais interessante para a indústria farmacêutica”, contou Mafud.

O trabalho está sendo realizado em parceria com a equipe do Núcleo de Pesquisa em Biodiversidade e Biotecnologia da Universidade Federal do Piauí (Biotec-UFPI) e do Instituto Adolfo Lutz (IAL).

“A empresa Centroflora faz no Piauí a extração em larga escala de uma outra substância também presente na folha do jaborandi e usada no tratamento de glaucoma: a pilocarpina. Mas o processo industrial gera grande quantidade de resíduo líquido, para o qual não há local adequado de descarte”, contou Mafud.

Os pesquisadores do Biotec-UFPI decidiram investigar, sob a coordenação do professor José Roberto de Souza de Almeida Leite, se nesse resíduo industrial cedido pela Centroflora haveria outras substâncias com potencial uso terapêutico e observaram que 70% do líquido era composto por epiisopiloturina.

A molécula teve então sua estrutura tridimensional elucidada no IFSC, pelo grupo de Mascarenhas. “Assim como a pilocarpina, a epiisopiloturina também é um alcaloide. Ambos têm estruturas parecidas, mas a ação biológica é diferente”, explicou Mafud.

O processo de extração e purificação da epiisopiloturina, bem como a descrição da estrutura tridimensional foram apresentados em artigo na PLoS One, em 2013.

Em experimentos realizados no Instituto Butantan ainda durante seu pós-doutorado, o pesquisador Josué de Moraes – hoje docente do Núcleo de Pesquisa em Doenças Negligenciadas da Faculdade de Ciências de Guarulhos (Facig) – testou in vitro a atividade da epiisopiloturina contra diversos tipos de parasita, até que notou efeito contra o S. mansoni em todas as fases de seu ciclo de vida.

A principal droga atualmente usada no controle da doença, o praziquantel, só tem eficácia contra vermes adultos e, embora melhore o quadro, não consegue promover a cura completa ou interromper o processo de transmissão. Outras desvantagens do praziquantel são a alta toxicidade para o fígado e o fato de não apresentar formulação pediátrica, dificultando o tratamento de crianças – principal faixa etária atingida pela doença.

Os resultados dos testes feitos no Butantan foram divulgados em artigo na revista Current Medicinal Chemistry, em 2012.

Modelo animal
Antes de partir para os testes em camundongos, pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) avaliaram in vitro a toxicidade da epiisopiloturina em células de mamífero. Para completar esses dados, no IFSC, os pesquisadores avaliaram outras variáveis e concluíram que o composto é seguro e apresenta potencial para se tornar um fármaco.

“Também analisamos todos os fragmentos da estrutura da molécula para ver se algum grupo funcional poderia ter efeito mutagênico ou tóxico. E fizemos estudos de solubilidade, estabilidade, absorção, metabolismo, excreção para determinar qual seria a melhor forma de administrar a substância aos animais”, explicou Mafud.

O tratamento em camundongos foi aplicado em dose única, por via oral, cerca de 49 dias após a infecção pelo parasita.

“O verme tem um ciclo de vida bem complexo e, no organismo humano, pode existir em três formas diferentes: ovo, jovem, adulto. A epiisopiloturina foi eficaz em todos os estágios e não apresentou toxicidade significativa nem nos ensaios in vitro e nem nos animais”, contou Mafud.

A única desvantagem é que, para ter efeito, a epiisopiloturina precisa ser administrada em dose bem mais alta (150 mg/kg) que o praziquantel (5 mg/kg), o que não a torna atraente para a indústria farmacêutica.

No momento, pesquisadores do Biotec-UFPI estão testando no IAL, em camundongos, um tratamento com doses mais baixas e duração de dez dias. Com financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS), serão feitos estudos com modelos de maior porte, como coelhos e cachorros, para avaliar o uso do composto como fitoterápico.

Ainda no pós-doutorado, Mafud investiga os mecanismos de ação do composto. O conhecimento pode abrir caminho para pesquisas voltadas a modificar a estrutura da molécula, tornando-a mais potente. Essa parte do trabalho está sendo feita no âmbito do Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a esquistossomose afeta quase 240 milhões de pessoas, sendo a verminose que mais mata no mundo. Mais de 700 milhões de pessoas vivem em áreas endêmicas, localizadas principalmente em regiões tropicais e subtropicais, em comunidades carentes sem acesso a água potável e saneamento adequado.

Na fase aguda da doença, os infectados podem apresentar coceiras e dermatites, febre, inapetência, tosse, diarreia, enjoos, vômitos e emagrecimento. Na fase crônica, episódios de diarreia podem alternar-se com períodos de prisão de ventre.

A doença pode evoluir para um quadro mais grave com aumento do fígado (hepatomegalia) e cirrose, aumento do baço (esplenomegalia), hemorragias provocadas por rompimento de veias do esôfago e barriga d’água (abdome proeminente pelo escape de plasma do sangue).

fonte:agencia.fapesp.br
por Karina Toledo | Agência FAPESP
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