(Casearia sylvestris)
Por: Rose Aielo Blanco*
Utilizada pelos índios há muitos anos, a planta conhecida como guaçatonga ou erva de bugre (Casearia sylvestris) agora está ganhando a merecida fama nos meios científicos: está sendo utilizada como princípio ativo na produção de cremes fitoterápicos e homeopáticos para tratamento do herpes labial. O medicamento, que foi testado em 93 pacientes residentes da região de Minas Gerais, mostrou bons resultados: a cicatrização das lesões entre três e quatro dias.
Os poderes cicatrizante, antiviral e antimicrobiano da guaçatonga - já bem conhecidos pelos indígenas - receberam um aval a mais dos pesquisadores Francisco Carlos Groppo e Vivane Goreth Costa Cury, na Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), que obtiveram resultados animadores contra uma das doenças virais mais comuns: o hespes labial. “Causada pelo vírus do herpes simples HSV, trata-se de uma patologia de relevância epidemiológica, pois não tem cura e se repete por ciclos. É grande o número de pacientes que procuram os serviços públicos para se livrar rapidamente das lesões, uma vez que é algo doloroso, de aspecto feio. Em alguns casos, inclusive, há dificuldade para comer”, explica a dentista.
No estudo, que durou cerca de um ano e meio, foram testados o creme fitoterápico e o homeopático. Para comprovar ainda mais o potencial do medicamento, os pesquisadores utilizaram o creme penciclovir a 1%, utilizado comercialmente no combate a herpes, como grupo controle. Os pacientes foram separados em três grupos de 31 voluntários cada, e os testes foram do tipo duplo cego, ou seja, no transcorrer dos exames não era sabido qual medicamento estava sendo usado em cada paciente. Eles foram codificados e distribuídos pela classificação, o que garantiu maior veracidade às conclusões. “Os resultados apontaram que o creme à base de Casearia sylvestris acelera o processo de cicatrização. O penciclovir, em geral, induz a cicatrização das lesões na média de cinco dias. Com os cremes de Casearia foram de três a quatro dias, sendo que em alguns voluntários foi possível observar a cicatrização em dois dias”, garante a pesquisadora.
Em pacientes dos três grupos observados, cuja recorrência da doença era de dois em dois meses, não se verificou a repetição dos episódios. O herpes é uma doença tida como auto-limitante, o que significa que desaparece usualmente entre 7 e 12 dias em pacientes imunocompetentes, mesmo sem nenhum tratamento. “Normalmente, os pacientes apresentam um a dois episódios de recorrência por ano. Em alguns voluntários do estudo em que a recorrência era de dois em dois meses, foi possível verificar que houve inicialmente um aumento do intervalo entre os episódios. Nenhum desses voluntários apresentou recorrência das lesões durante o estudo”, exemplifica. Em rzaão do período de dois anos para a conclusão da pesquisa não foi possível avaliar o comportamento dos cremes em relação à diminuição de recorrências. Mas, na opinião da pesquisadora, as observações descritas podem ser consideradas como indícios de bons resultados. São necessários, no entanto, outros experimentos para avaliação do potencial.
A nova pomada está sendo patenteada pela Agência de Inovação da Unicamp e brevemente estará disponível para transferência da tecnologia para a indústria. O trabalho compõe a dissertação de mestrado de Viviane “Eficácia terapêutica da Casearia sylvestris sobre herpes labial e aplicabilidade em saúde coletiva”.
Mas a ciência não está se rendendo à guaçatonga apenas no tratamento contra herpes labial. Estudos também estão comprovando sua eficácia contra úlceras gástricas-duodenais, causadas por estresse ou maus hábitos alimentares. Os pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da UNESP, campus de Araraquara, André Gonzaga dos Santos, Aristeu Gomes Tininis e Vanderlan da Silva Bolzani, e do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP) obtiveram sucesso na cicatrização de úlceras gástricas induzidas em animais de laboratório, utilizando substâncias obtidas de um extrato de folhas secas da Casearia sylvestris.
Eles identificaram, isolaram e avaliaram princípios ativos relacionados com a atividade antiúlcera. De acordo com um dos integrantes da pesquisa na UNESP, o farmacêutico Alberto José Cavalheiro, a principal vantagem de um novo medicamento à base de extrato da guaçatonga seria a sua ação rápida, sem causar efeitos colaterais - como a alteração do pH no estômago e a indução de contração uterina, o que impede o uso pelas gestantes - geralmente provocados pelos remédios tradicionais hoje disponíveis no mercado. "A velocidade de cicatrização de úlcera crônica induzida experimentalmente em ratos foi mais rápida com o extrato da guaçatonga do que a dos medicamentos mais utilizados", avaliou. Cavalheiro, junto com Jayme Sertié e Ricardo Woisky, da USP, acaba de registrar o pedido de patenteamento do achado junto ao Instituto Nacional e Patentes Industriais (Inpi), com o auxílio do Nuplitec - Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia da Fapesp. O próximo passo é aguardar os resultados dos ensaios clínicos e dos testes de toxicidade para avaliar a viabilidade do uso dos compostos em seres humanos.
A planta como ela é...
Os índios utilizam a guaçatonga como cicatrizante e principalmente para curar feridas provocadas por picadas de cobras. Hoje, sabe-se que o componente responsável por esta capacidade chama-se "cariofileno" que alivia a dor provocada pela picada anulando a histamina, uma substância que pode desencadear a sensação dolorosa.
Flavonas, óleos essenciais, saponinas, taninos, resinas e antocianosídeos são alguns dos componentes presentes na guaçatonga que fazem a fama da planta como febrífuga, depurativa, anti-diarréica, cardiotônica, diurética, analgésica e cicatrizante.
Existem várias espécies pertencente ao gênero Casearia que são chamadas popularmente de guaçatonga, mas a Casearia sylvestris, a espécie que está sendo comprovada cientificamente, é a que atinge menor altura, medindo de 2 a 6 metros. As outras espécies passam de 6 metros, podendo chegar a 20 metros de altura. No Brasil é econtradas em regiões que vão desde a Bahia até o Rio Grande do Sul.
A guaçatonga é populamente conhecida como chá-de-bugre, cafezinho-do-mato, pau-de-lagarto, erva-de-bugre, cafeeiro-do-mato, guassatunga e guassatonga. Pertencente à família das Flacurtiáceas (Flacourtiaceae), é uma árvore de tronco tortuoso, com casca de coloração acinzentada e acastanhada, apresentando pequenas fendas superficiais. As folhas são alternas, simples, lanceoladas, ovaladas e elípticas. As flores são numerosas, branco-esverdeadas ou amareladas. O fruto é uma cápsula que se torna vermelha quando madura, apresenta de 2 a 6 sementes envoltas num arilo lanoso, amarelo e comestível. A árvore floresce ente os meses de julho a outubro e frutifica de setembro a dezembro.
Contra aftas e feridas na boca, a medicina popular utiliza um creme feito com 2 colheres (sopa) de folhas frescas de guaçatonga amassadas num pilão junto com 1 colher (sopa) de glicerina e 2 colheres (sopa) de álcool. A mistura é bem amassada, peneirada e aplicada nas partes afetadas duas vezes ao dia.
Já contra o herpes labial, popularmente usa-se uma infusão preparada com 2 colheres (sopa) de folhas de guaçatonga picadas em 1 copo de água fervente. Abafa-se e, depois de fria, a infusão é aplicada nas lesões labiais com um algodão.
Rose Aielo Blanco é jornalista e editora do www.jardimdeflores.com.br
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